quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Tirando o pó do Blog (de novo)... Afinal, o que é esse tal de Big Bang?

Opa... faz tempo que não apareço por aqui, né?

Hoje minha sobrinha veio me perguntar o que é esse tal de Big Bang... vim procurar aqui porque tinha certeza que já tinha explicado isso um dia, e descobri que na verdade só tinha dado meias explicações...

Então vamos lá: O que é esse tal de Big Bang?

A ideia básica do Big Bang é supersimples, ela só fica complicada quando você começa a olhar os detalhes (fazer contas, então, nem se fala)...

Começando do começo! ;-)

Quando se observa as estrelas, dá pra ver que elas estão todas se afastando (até bem rápido!) umas das outras - sem entrar em detalhes, isso é uma medida bem fácil de fazer, baseada num troço chamado "efeito Doppler", o mesmo que usam em radar de velocidade (e o responsável pelo som dos carros parecer mais agudo quando eles estão vindo e mais grave quando estão indo - aqui tem um video curtinho bacana mostrando isso)

Aí vem a pergunta: se elas estão todas se afastando, olhando pro passado, elas não deviam estar todas juntas em algum momento?

Pois é, a resposta é... SIM! Ou seja, desse "afastamento" dá pra deduzir que um dia tudo estava junto, num "bolotão" de matéria! Fazendo umas continhas (que começam fáceis e ficam BEEEEEM complicadas em algum momento, por causa das tais "teoria da relatividade" e "mecânica quântica" - que, pra piorar, nunca falam a mesma língua!), a gente conclui que esse "bolotão" estava lá há uns 14 bilhões de anos...

Como as leis da física todas meio que vão pro saco quando junta tudo que se conhece num ponto só (é o que chamam de "singularidade", tipo dividir por zero), a gente define que o universo como a gente conhece começou aí...

Então, voltando pro tempo desse troço aí, a gente vê que ele deve ter se expandido MUUUUUITO rápido no começo - assim, tipo uma explosão. Uma Grande Explosão...

Grande - big... Explosão - bang... BIG BANG! ;-)

Simples, né?

Pra quem quiser entender o que aconteceu DEPOIS do Big Bang, escrevi um texto sobre isso aqui.

Abraços e até a próxima!

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Sobre ciência e séries atuais, parte 2: Chernobyl (e aqui a coisa pega)

Bom... depois de falar sobre algumas coisinhas que vi em Dark, agora é hora de pegar um pouco mais pesado...

Vi a série Chernobyl com algum cuidado, afinal trabalho em um reator nuclear de pesquisa há mais de 20 anos, e sempre fui um curioso sobre o assunto. Até por razões profissionais, apesar de não trabalhar com proteção radiológica nem com reatores (uso um reator como "instrumento", apenas), já vi diversas palestras sobre acidentes, tanto o de Chernobyl como os de Fukushima, Goiânia, Three Mile Island e outros menos cotados.

Assim, vendo por esse ponto de vista, tenho muita coisa boa pra dizer sobre a série - mas também MUITA coisa ruim, muito ruim.

Pra quem não sabe, a série é essencialmente baseada num livro da jornalista e escritora bielorrussa Svetlana Alexijevich chamado "Voices from Chernobyl" - esse livro, por sua vez, é baseado em uma infinidade de entrevistas que ela fez à época, principalmente com sobreviventes do acidente. Em especial, ela não conversou com especialistas, nem médicos especializados, nem cientistas, nem com os relatórios da ONU a respeito. E isso aparece claramente em vários momentos, como vamos ver.

Vamos começar pela parte onde a série acerta na mosca: com pequenas diferenças pontuais, a descrição do acidente está perfeita, incluindo a sequência temporal e tudo o mais. Vale dizer que detalhes exatos sobre o que aconteceu na sala de controle são bem difíceis de obter, já que quase todo mundo que estava ali morreu no acidente ou pouco tempo depois.

O único ponto onde talvez haja alguma discrepância é sobre o uso do tal botão "AZ-5" (o famoso "grande botão vermelho"), o de desligamento de emergência. Em uma operação normal, um reator não deveria ser desligado pelo botão de emergência, mas sim lentamente, descendo-se as barras de controle progressivamente. Na série, aparentemente o reator estava fugindo de controle e por isso o tal botão foi acionado; em alguns seminários que vi aparentemente talvez não fosse o caso, e há uma dúvida grande sobre qual foi, na verdade, a razão pela qual o reator foi desligado assim, na marra. Há quem diga que talvez isso fosse praxe por lá, mesmo sendo "fora do regulamento"; há quem diga que foi por pressa (afinal a equipe tinha ido pra cuidar de um reator desligado, acabou trabalhando pacas e estava cansada); e há quem diga que sim, alguma coisa começou a sair de controle e, meio no pânico, apertaram o tal AZ-5. O fato (e isso fica bastante claro na série) é que, mesmo com todos os equívocos que já tinham cometido até ali, se não fosse o tal botão nada de mais teria acontecido - e por isso essa discussão é tão importante.

Enfim, até aqui tudo ótimo (até porque a série não pode deixar isso em aberto e está no seu direito ao escolher uma das versões).

Na parte da explosão, dos detritos, do Cherenkov no ar, do gosto metálico na boca (devido ao Iodo, que é um dos subprodutos da fissão nuclear - isso eles esqueceram de explicar), tudo perfeito. Mesmo a descrição do medo de que o núcleo entrasse em contato com a água empoçada no subsolo também está perfeita.

Onde estão os tais "problemas muito sérios", então? Na parte dos efeitos biológicos, das consequências e do número de mortos.

Vamos começar por uma explicação rápida e muito importante: um corpo (seja qual for) não fica radioativo simplesmente por ser exposto à radiação - tanto é que processos como irradiação de alimentos, gamagrafia, tratamento de polímeros por radiação e muitos outros são extremamente corriqueiros (você pode não saber, mas toda a carne exportada para a Europa, China e EUA tem que ser irradiada, por exemplo; aliás, material cirúrgico é obrigatoriamente descontaminado por radiação antes do uso, também).

Mas como um corpo pode ficar radioativo, então? Um corpo só vai ficar radioativo pela incorporação de material radioativo (chamada "contaminação") ou por meio de reações nucleares. E como acontecem essas coisas? Você pode ser contaminado se inalar material radioativo, por exemplo. Ou se comer, ou absorver pela pele. E reações nucleares só acontecem com partículas de alta energia ou com nêutrons (de qualquer energia) - vale ressaltar que nêutrons são extremamente comuns em reatores nucleares, mas só enquanto eles estão ligados, quando desliga (ou explode) eles praticamente desaparecem instantaneamente.

Então vamos pro bombeiro contaminado (a pior parte de todas, por larga margem). O bombeiro, ao manusear material radioativo, poderia ficar contaminado? Sim, com certeza! E se contaminar por inalação? Muito menos provável, já que ele não chegou a ficar imediatamente acima do núcleo exposto, onde estava o fogo (e, com ele, a "fumaça radioativa" - ar quente misturado com material radioativo oriundo do núcleo). Agora, sabem qual o primeiro procedimento quando se trata alguém cotaminado por material radioativo? Chamam de "descontaminação", que nada mais é que esfregar a pele até sair tudo o que der (sim, vai deixar em carne viva). Em último caso, poderia se até pensar em amputar um membro para salvar o resto do corpo (ainda que não saiba se já se chegou a esse ponto). O que não ia acontecer, MESMO, é dele estar "altamente radioativo" no hospital. Não, nunca, jamais. E a esposa jamais seria irradiada ao ter contato com ele, portanto.

E, caso ela estivesse contaminada (que não teria sido pelo contato com o marido, claro), de forma alguma a radiação iria toda para o bebê e a mãe ficaria limpa. não tem como, não funciona assim (na verdade, de modo geral, o corpo materno fica com quaisquer impurezas, filtrando-as nos rins e similares).

Tá, mas e o resto das mortes?

Vamos começar com uma afirmação (dita de forma muito clara nos documentos do painel de especialistas da ONU): não houve nenhuma morte causada diretamente pela radiação na população, só nos trabalhadores que frequentaram a área da usina em si.

Peraí, mas e aquela coisa da "ponte da morte"?

Nada. Provavelmente um misto de invenção com o pânico generalizado que se espalhou por uma população que, como fica claro na série, não fazia ideia do que estava acontecendo. Repetindo, ninguém que não esteve na usina mostrou qualquer sinal de ARS (Síndrome Aguda da Radiação), nem tomou doses fatais!

Mas, enfim, quantas pessoas morreram por causa do acidente?

Bom, a resposta não é lá muito simples... Tem até uma página na Wikipedia com boa parte desses números, mas eles têm que ser divididos em três grandes grupos: mortes diretas, mortes posteriores por câncer e mortes indiretas (por stress, relocação, etc).

As mortes diretas são mais fáceis de quantificar, já que esses casos são essencialmente imediatos, levando no máximo algumas semanas pra se manifestar. O famoso relatório do grupo de especialistas convidado pela ONU pra estudar o assunto fala em 54 pessoas, entre mortes por exposição direta à radiação, mortes pela explosão em si e mortes por câncer de tireóide (já explico por quê só esses entram nessa conta). No total, 138 trabalhadores foram diagnosticados com ARS, mas apenas uma parcela de fato morreu (e eles estão incluídos nesses 54).

As mortes por câncer são bem mais complicadas de estimar. com exceção das já citadas mortes por câncer de tireóide. Um dos principais subprodutos da explosão foi o Iodo-131, um tipo radioativo de iodo; como todo iodo, ele se concentra na tireóide, então é fácil entender por quê esse tipo de câncer aumentou tanto por lá. Pra completar, o câncer de tireóide é relativamente raro, especialmente em crianças - e essas foram, por motivos que não se entende direito, as mais atingidas. Desse modo, os especialistas assumem que TODOS os casos de câncer de tireóide observados em quem era criança ou adolescente na região naquela época sejam devidos ao acidente - esse número não é muito exato, porque leva um tempo pro câncer aparecer e a população se dispersou nos anos seguintes ao acidente, mas a estimativa mais aceita é de algo em torno de 5000 pessoas. Felizmente o câncer de tireóide tem tratamento bem fácil (a retirada da tireóide) e que não traz grande prejuízo à vida posterior (a pessoa passa a ter que tomar o hormônio pro resto da vida, como quem tem hipotireoidismo - quase 10% da população em geral e mais de 50% das grávidas, por exemplo!), de modo que apenas 15 mortes foram reportadas entre essas 5000 pessoas.

O aumento nos demais tipos de câncer é bem difícil de detectar - na verdade a radiação está associada especialmente a dois tipos, os tumores sólidos e a leucemia não-congênita. As estimativas feitas baseando-se no que foi observado em populações expostas a doses altas de radiação (sobreviventes das bombas atômicas da 2a guerra e - acreditem! - pacientes que passaram por sessões de radioterapia) dizem que seria esperado um aumento de até 50% nos casos de câncer entre os trabalhadores de ajudaram na limpeza da usina, e de no máximo 2-3% na população em geral - esse número chegaria a aproximadamente 2-3 mil pessoas, num conjunto de mais de 400 mil casos de câncer esperados na população não exposta (daí a dificuldade de detectar qualquer aumento, inclusive).

De fato, observou-se um aumento significativo nos casos de leucemia entre os trabalhadores envolvidos na limpeza. Já os casos na população em geral, especialmente na que vivia em Pripiyat e redondezas na época, ou na que foi exposta indiretamente pelo consumo de alimentos contaminados, são bem mais difíceis de detectar - até hoje, nenhum dos vários trabalhos científicos feitos com os sobreviventes conseguiu detectar qualquer aumento.

Chegamos ao terceiro grupo, e é aí que a coisa pega: as mortes indiretas. O pânico generalizado que se seguiu à descoberta de que a usina tinha explodido e que tinha vazado radiação para caraleo (opa, desculpem meu francês! ;-) ) levou, sem dúvida, a MUITAS mortes. Sabe-se, por exemplo, que houve um aumento enorme entre os casos de abortos induzidos por medo de malformação - os números chegam à casa de UM MILHÃO!). O detalhe é que não há evidência de nenhum aumento no número de problemas de gestação ou malformação nas crianças nascidas logo depois do acidente - ou seja, os abortos foram feitos, muitas vezes com recomendação de um médico "leigo", de modo completamente desnecessário - o risco de malformação é MUITO maior, por exemplo, em caso de mães fumantes do que pela exposição à radiação da população próxima à usina (e imaginem qual seria o número de abortos se esses mesmos médicos aconselhassem a população fumante, né?).

Fora isso, o stress induzido pelo acidente, pela relocação e pelo medo de modo geral pode ter causado muitas mortes - no caso do acidente de Fukushima, por exemplo, há evidências de mais de 2.000 mortes causadas pela relocação de pessoas após o acidente (em especial entre os mais idosos), contra DUAS mortes pelo acidente em si.

Resumo da ópera: o pânico e a desinformação mataram mais gente que o acidente em si. MUITO mais gente.

E é aqui eu entra o problema da série: ao divulgar a versão "sensacionalista" das consequências, a série aumenta em muito o risco de pânico na população num caso semelhante. E, com isso, aumenta em muito o risco de uma mortalidade ainda maior em caso de acidente.

É por isso que eu resolvi falar disso aqui.

Zahn

PS: Pra quem quiser entender o que é o tal "relatório do grupo de especialistas" e por quê ele não é, nem de longe, um documento oficial feito pra minimizar (ou esconder) as consequências do acidente (como muita gente parece achar), é o seguinte: a URSS tentou até onde pôde evitar que a informação sobre o acidente se espalhasse; quando falhou, acabou aceitando a ajuda da ONU (e de seus diversos sub-órgãos, como a OMS, FAO, IAEA, etc). Pouco tempo depois do acidente, a URSS se desintegrou e a região afetada ficou dividida entre Bielorússia, Ucrânia e Rússia, e aí o acesso da ONU e de especialistas internacionais foi ainda mais facilitado. O relatório foi escrito com ajuda de mais de 100 especialistas de diversas áreas, incluindo russos, bielorussos, ucranianos e gente do mundo todo que esteve lá, estudou o acidente a fundo e conviveu com suas consequências. Não tem qualquer mão do governo da URSS (que já não existia mais na época) nem do governo Russo, aliás.

Pra quem quiser saber mais sobre o acidente em si, recomendo um filme sobre o acidente *um pouco romanceado e exagerado, mas interessante). E também uma boa discussão sobre o assunto, que me inspirou a escrever isso aqui.

Pra terminar, pra quem quer entender como essa coisa de "riscos de saúde relacionados à radiação" é confusa e complicada, duas boas matérias:

Uma da Der Spiegel sobre algumas conclusões recentes a respeito (mostrando que a radiação parece fazer muito menos mal do que se imaginava)

E uma mostrando como a vida floresceu absurdamente na região após a saída dos humanos (lembrando que não se espera grandes diferenças de risco biológico entre diferentes espécies de mamíferos superiores, como os ursos, bisões... e nós!)

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Sobre ciência e séries atuais, parte 1: Dark (e não vou falar de viagem no tempo!)

Essa semana terminei a segunda temporada da (ótima!) série alemã Dark e, juntando com um monte de coisas que eu teria pra dizer sobre a (também ótima) Chernobyl, resolvi tirar o pó do blog e escrever algumas coisas (sobre ciência!) que tem a ver com as duas...

Bom, vou começar com Dark... E já vai o aviso: vou tentar evitar, mas pode rolar um spoiler aqui e outro ali, então cuidado!

A série essencialmente gira em torno de viagens no tempo - que, pra ciência, são impossíveis (a não ser que você entenda que viver, no fundo, é viajar pro futuro... ;-) ), então vamos passar reto disso.

Em um dado momento da segunda temporada, fica claro que as viagens estão relacionadas á "Partícula de Deus" (o Bóson de Higgs, do qual já falei aqui), e a partir daí começam a surgir perguntas e mais perguntas (e vários probleminhas - e um problemão)...

Na série, o bóson foi produzido acidentalmente durante a operação de um reator nuclear, o que é absolutamente impossível. Como a série diz (certinho!), o bóson de Higgs tem massa de 125GeV/c2, e isso seria impossível de produzir em um reator nuclear - o reator, apesar de produzir MUITA energia, a produz em "pacotinhos" pequenos, de no máximo 200MeV (1MeV é um milésimo de 1GeV), e não funciona ficar juntando "pacotinhos" até dar a energia certa, muito pelo contrário: normalmente você perde um bocado de energia quando vai "fazer" partículas estranhas. Aliás, é exatamente por isso que fizeram um acelerador monstruoso (o LHC), com energias na faixa dos TeV (1TeV são 1000GeV) pra tentar ver o Higgs.

Além disso, o Bóson de Higgs é instável, decaindo em menos de um zeptossegundo (10-21s, ou um milésimo de biolionésimo de biolionésimo de segundo) e é obviamente invisível diretamente, de modo que ele não ficaria ali como aquela bola azul... ;-) Por outro lado, curiosamente eles acertaram que os decaimentos mais comuns do Higgs são em dois fótons ou em quatro múons!

Tudo isso, na verdade, são detalhes... mas tem UM erro, no sétimo episódio ("O Diabo Branco"), que é MUITO sério e sobre o qual precisamos falar. Nesse episódio os especialistas (acho que na década de 50) estão analisando um corpo e o legista, estupefato, diz que o corpo foi submetido a muita radiação, usando um detector Geiger para mostrar que o corpo ESTÁ radioativo. Mais que isso, alguém sugere que isso poderia ter acontecido se ele fosse exposto a MUITOS raios-X.

Qual o problema? O problema é que exposição à radiação NÃO deixa nada radioativo - com as nobres exceções de partículas de muito alta energia ou nêutrons (de qualquer energia) - e raios-X não se enquadram em nenhuma das categorias! Então, mesmo que um corpo fosse exposto a raios-X até morrer, não ficaria radioativo!

Resumindo, só há duas formas de um corpo se tornar radioativo: incorporação (ou seja, se você ingerir, inalar ou absorver pela pele material radioativo) ou reações nucleares - que são bem comuns num reator nuclear LIGADO, por conta da infinidade de nêutrons que tem por lá.

Enfim, nada que comprometa a série, mas o aviso é importante - até porque processos como irradiação de alimentos, gamagrafia, e irradiação de polímeros com feixe de elétrons, por exemplo, são extremamente comuns e seguras!

Abração! E logo eu volto com meus comentários sobre Chernobyl - e lá a jiripoca vai piar... ;-)

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Um pouco sobre a descoberta das evidências do Big Bang (e de como acaso e sorte têm tudo a ver com ciência)

Ois!

Hoje dei de cara com uma matéria muito interessante no site da BBC sobre "A sequência de acasos que levou à descoberta do Big Bang". Simples e de fácil leitura, mostra como as duas descobertas experimentais fundamentais para embasar a tese do Big Bang surgiram por acaso, uma quando tentavam desenvolver um radiotelefone de longo alcance e outra quando pesquisavam comunicação com satélites. Uma ótima forma de perceber que a ciência não anda sempre por passos previsíveis (aliás, quase nunca o faz!), mas que descobertas acidentais, desde que bem estudadas e dissecadas, são a base de muito o que chamamos de ciência - afinal, só descobrir não é nada, a questão é isolar a descoberta e descobrir como interpretar a coisa!

Abraços a todos!!!

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Pra tirar a poeira do Blog: o que mesmo é um quilo?

Hoje dei de cara com uma notícia interessante que vale um post: estão trabalhando na redefinição do valor exato do kg. Aí me perguntei: quantas pessoas já pararam pra pensar como se definem essas unidades?

Quando você vai no mercado e compra 1 kg de tomates, sabe que é 1 kg porque o atendente pesou numa balança, né?

E como essa balança sabe o que é 1 kg?

Balanças têm que ser calibradas (ganhando o selo do INMETRO que permite que elas sejam usadas em transações comerciais), ou seja, alguém tem que transformar a resposta dela (no caso das eletrônicas, uma tensão elétrica) em massa. Isso é feito medindo-se massas bem conhecidas, e criando uma curva que relaciona a resposta da balança a uma certa massa que foi colocada sobre ela.

Fácil, né? Mas aí vem a pergunta de um milhão de reais: como se determina a massa dessa "massa bem conhecida"?

Na prática, essas massas foram comparadas com massas ainda mais bem conhecidas, certificadas por laboratórios internacionais, que acabam remetendo a um único laboratório no mundo (para garantir que 1 kg seja a mesma quantidade, tanto aqui como no Casaquistão ou na Austrália).

Hoje, esse laboratório é o Bureau International des Poids et Mesures, que fica nos arredores de Paris e tem guardada a sete chaves uma pequena barra de Platina/Irídio que é a referência internacional do quilo. E aí entram uma série de pequenos problemas: a liga metálica escolhida tem que ser composta de metais inoxidáveis e que não adsorvam moléculas do ar. Além disso, a barra não pode ser tocada por mãos nuas, senão a pequena quantidade de gordura depositada muda a referência de massa. Se cair, lascar ou coisas do tipo, então...

Por isso nas últimas décadas cientistas têm tentado redefinir as unidades fundamentais em função de fenômenos naturais que sejam invariantes no mundo todo, ou seja, que não dependam de um "padrão físico" como a barrinha do BIPM... Esse trabalho é difícil, e torna as unidades bem menos "intuitivas" (afinal, o que é mais intuitivo que comparar sua massa com uma barrinha, né?), mas muito mais robustas (afinal, não dependem de corpos físicos que podem mudar com o tempo) e democráticas (afinal, a princípio podem ser medidas por qualquer laboratório com equipamento adequado, sem precisar comparar com aquele pesinho de Paris)...

Como curiosidade, o Sistema Internacional de Medidas (SI) define sete grandezas fundamentais:

  • Comprimento: metro, definido como sendo o espaço percorrido pela luz no vácuo em 1/(299.792.458) s;
  • Massa: grama, definido a partir da famosa barrinha de Paris (mas deve mudar esse ano!);
  • Tempo: segundo, definido como a duração de  9.192.631.770 períodos da radiação correspondente à transição entre os dois níveis hiperfinos do estado fundamental do átomo de césio 133;
  • Corrente elétrica: Ampère, definido como "a corrente elétrica invariável que, mantida em dois condutores retilíneos, paralelos, de comprimento infinito e de área de seção transversal desprezível, e situados no vácuo a 1 metro de distância um do outro, produz entre esses condutores uma força igual a 2 x 10-7 newton, por metro de comprimento desses condutores.";
  • Temperatura, Kelvin, "a fração 1/273,16 da temperatura termodinâmica do ponto tríplice da água.";
  • Intensidade luminosa, candela, definida como "a intensidade luminosa, numa direção dada, de uma fonte que emite uma radiação monocromática de freqüência 540 x 1012 hertz e cuja intensidade energética naquela direção é 1/683 watt por esterradiano."; e
  • Quantidade de substância, cuja unidade é o mol e é definida como o número de átomos em 0,012 kg de Carbono-12.
 Complicado, né? Então, da próxima vez que for ao mercado, lembre que aquele selo do INMETRO na balança significa que muita gente teve (e ainda tem) muito trabalho pra garantir que  seu quilo de tomates tenha a mesma massa que o quilo de cebolas vendido no Japão... ;-)

Até mais!!

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Aproveitando a deixa: o que são "Estrelas de Nêutrons"?

Fala, povo!

Seguinte... como eu já comentei aqui, hoje foi anunciada a primeira detecção de ondas gravitacionais provenientes de uma colisão de estrelas de nêutrons.

Tá, mas aí você me pergunta: o que são estrelas de nêutrons?



Uma estrela "normal" é formada inicialmente por hidrogênio, que ao queimar vai sendo convertido em hélio, carbono, oxigênio, nitrogênio... ao chegar ao final desse ciclo (conhecido como CNO), pode acontecer da energia liberada nas fusões nucleares ser insuficiente para compensar a atração gravitacional, e a estrela colapsa muito rapidamente, formando o que se conhece por supernova: uma explosão absurdamente brilhante e de curta duração (semanas ou meses). Ao final desse processo, o que fica pode ser uma estrela anã, um buraco negro (se a massa for muito grande) ou então uma estrela de nêutrons.

No último caso, a matéria se comprime tanto, e a temperatura fica tão alta, que os núcleos se desmontam em prótons, nêutrons e elétrons, e os prótons e elétrons reagem entre si, num processo conhecido como captura eletrônica, formando um nêutron e um neutrino - esse processo é muito favorecido nesse caso, já que os nêutrons não têm carga, enquanto os prótons e elétrons têm, e isso gera repulsão entre eles. Os nêutrons, então, se aglomeram formando algo equivalente a um enorme núcleo neutro, mantido coeso pela gravidade absurda gerada. Como esse núcleo enorme não tem eletrosfera (lembram que o núcleo ocupa só uma parte minúscula do átomo?), o que temos é uma estrela MUITO densa (provavelmente o objeto mais denso conhecido), com uma massa em torno do dobro da do nosso sol compactada em uma região de meros 10km de raio - menor até do que alguns asteroides que já colidiram com a Terra num passado remoto...

Enfim, é isso! Quem quiser mais informações, tem alguns links interessantes pra visitar...

https://www.universetoday.com/24219/what-is-a-neutron-star/

http://www.nationalgeographic.com/science/space/solar-system/neutron-stars/

http://www.portalsaofrancisco.com.br/astronomia/estrela-de-neutrons

E as ondas gravitacionais continuam fazendo a alegria da galera!

E aí, gentes?

Alguns talvez tenham ouvido o burburinho, mas ao longo da última semana a comunidade científica (em especial a astrofísica) estava em polvorosa: o pessoal dos dois grandes laboratórios detectores de ondas gravitacionais (VIRGO e LIGO) tinham anunciado uma conferência de imprensa conjunta pra hoje, pra divulgar a detecção de algo que nunca tinha sido visto antes.

O auê foi enorme: desde gente prevendo que tivesse a ver com aliens (extremamente improvável, já que ondas gravitacionais são boas pra "enxergar" coisas MUITO massivas - o tipo de coisa que não combina com vida) ou com viagens temporais (isso já poderia ser) até gente (eu, por exemplo!) achando que pudessem ter visto algo além do limite permitido com fótons (chamado de "desacoplamento de fótons" - em breve faço uma postagem explicando isso, mas a ideia é que o universo só se transformou em transparente para fóton a partir de uma certa idade, de modo que coisas mais antigas que isso não podem ser vistas pelos meios convencionais)...

Enfim, não era nada disso - era algo menos espetacular, mas nem por isso menos legal: pela primeira vez até hoje, os detectores de ondas gravitacionais e de fótons "enxergaram" o mesmo evento: uma colisão de estrelas de nêutrons. Acontece que até agora as ondas gravitacionais só tinham sido detectado colisões de buracos negros que, por definição, não emitem radiação gama (já que ela é "sugada" pelos buracos negros). Dessa vez, com a detecção simultânea, a comunidade científica pode testar várias hipóteses, inclusive a mais importante delas: que as ondas gravitacionais se propagam à mesma velocidade que a luz (o que tinha sido previsto por Einstein em 1915 e, essencialmente, demonstra que as ondas gravitacionais não podem ter massa).


Ah, sim... você ficou curioso pra saber o que é uma estrela de nêutrons? Aguarde as cenas do próximo capítulo... ;-)

PS: já está no ar, aqui!