quarta-feira, 10 de julho de 2019

Sobre ciência e séries atuais, parte 1: Dark (e não vou falar de viagem no tempo!)

Essa semana terminei a segunda temporada da (ótima!) série alemã Dark e, juntando com um monte de coisas que eu teria pra dizer sobre a (também ótima) Chernobyl, resolvi tirar o pó do blog e escrever algumas coisas (sobre ciência!) que tem a ver com as duas...

Bom, vou começar com Dark... E já vai o aviso: vou tentar evitar, mas pode rolar um spoiler aqui e outro ali, então cuidado!

A série essencialmente gira em torno de viagens no tempo - que, pra ciência, são impossíveis (a não ser que você entenda que viver, no fundo, é viajar pro futuro... ;-) ), então vamos passar reto disso.

Em um dado momento da segunda temporada, fica claro que as viagens estão relacionadas á "Partícula de Deus" (o Bóson de Higgs, do qual já falei aqui), e a partir daí começam a surgir perguntas e mais perguntas (e vários probleminhas - e um problemão)...

Na série, o bóson foi produzido acidentalmente durante a operação de um reator nuclear, o que é absolutamente impossível. Como a série diz (certinho!), o bóson de Higgs tem massa de 125GeV/c2, e isso seria impossível de produzir em um reator nuclear - o reator, apesar de produzir MUITA energia, a produz em "pacotinhos" pequenos, de no máximo 200MeV (1MeV é um milésimo de 1GeV), e não funciona ficar juntando "pacotinhos" até dar a energia certa, muito pelo contrário: normalmente você perde um bocado de energia quando vai "fazer" partículas estranhas. Aliás, é exatamente por isso que fizeram um acelerador monstruoso (o LHC), com energias na faixa dos TeV (1TeV são 1000GeV) pra tentar ver o Higgs.

Além disso, o Bóson de Higgs é instável, decaindo em menos de um zeptossegundo (10-21s, ou um milésimo de biolionésimo de biolionésimo de segundo) e é obviamente invisível diretamente, de modo que ele não ficaria ali como aquela bola azul... ;-) Por outro lado, curiosamente eles acertaram que os decaimentos mais comuns do Higgs são em dois fótons ou em quatro múons!

Tudo isso, na verdade, são detalhes... mas tem UM erro, no sétimo episódio ("O Diabo Branco"), que é MUITO sério e sobre o qual precisamos falar. Nesse episódio os especialistas (acho que na década de 50) estão analisando um corpo e o legista, estupefato, diz que o corpo foi submetido a muita radiação, usando um detector Geiger para mostrar que o corpo ESTÁ radioativo. Mais que isso, alguém sugere que isso poderia ter acontecido se ele fosse exposto a MUITOS raios-X.

Qual o problema? O problema é que exposição à radiação NÃO deixa nada radioativo - com as nobres exceções de partículas de muito alta energia ou nêutrons (de qualquer energia) - e raios-X não se enquadram em nenhuma das categorias! Então, mesmo que um corpo fosse exposto a raios-X até morrer, não ficaria radioativo!

Resumindo, só há duas formas de um corpo se tornar radioativo: incorporação (ou seja, se você ingerir, inalar ou absorver pela pele material radioativo) ou reações nucleares - que são bem comuns num reator nuclear LIGADO, por conta da infinidade de nêutrons que tem por lá.

Enfim, nada que comprometa a série, mas o aviso é importante - até porque processos como irradiação de alimentos, gamagrafia, e irradiação de polímeros com feixe de elétrons, por exemplo, são extremamente comuns e seguras!

Abração! E logo eu volto com meus comentários sobre Chernobyl - e lá a jiripoca vai piar... ;-)

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